domingo, 26 de agosto de 2012

Como draftar um quarterback, Parte 2 - Apenas um

Esta é a Parte 2 de uma série de 7 posts sobre o assunto.
- Parte 1 - Ninguém sabe nada
- Parte 3 - O que poderia ter acontecido?
- Parte 4 - Um experimento chamado Kyle Boller



Por Brian Billick, NFL Network
17 de abril de 2012


Se você é dirigente de um time que draftou o quarterback certo - como por exemplo o Steelers, que selecionou Terry Bradshaw em 1970, o Cowboys que selecionou Troy Aikman em 1989, ou o Colts, que draftou Peyton Manning em 1998 - você vai sentir que possui uma significativa vantagem psicológica (e também prática) sobre qualquer time que vier a enfrentar por pelo menos uma década. Sem dúvida é uma sensação boa para se ter ao longo da temporada.

Talvez o maior exemplo de “fazer a coisa certa” é o Indianapolis Colts no draft de 1998. O time havia acabado de contratar Bill Polian para tomar conta de todo o departamento relacionado a elenco e jogadores, e a equipe tinha a primeira escolha do draft. Polian estava diante da seguinte situação: havia dois talentosos quarterbacks no draft, e ele tinha que selecionar o melhor deles. Apesar de parecer uma decisão óbvia, na época definitivamente não era. De um lado estava Peyton Manning, do Tennessee - praticamente um treinador em campo, conhecido por ser um viciado em estudar os oponentes, e cujo "valor" no draft havia caído naquele ano devido ao seu time não ter conseguido vencer o título nacional, e também por ele não ter ganho o Troféu Heisman. De outro, estava Ryan Leaf, da Universidade Washington State que, de seus 1,98m e 110kg, tinha o porte físico ideal para ser um excelente lançador profissional. Muitos especialistas achavam que Leaf era menos maduro tecnicamente que Manning, mas tinha muito mais potencial para vir a ser superior em relação a este (Manning costuma dizer, mais de uma década mais tarde, que ainda se lembra perfeitamente quando, aos 22 anos, disseram que ele não tinha muito potencial para melhorar).

Se o Colts tivesse baseado a sua decisão apenas nos vídeos da temporada anterior, o time teria selecionado Leaf. Mas nos meses que antecederam o draft, Polian trancou-se em seu novo escritório e passou a maior parte do tempo - quase 500 horas - assistindo a vídeos e analisando os pontos fortes de ambos os quarterbacks. Ele e sua equipe assistiram a cada um dos 1.505 passes de Manning na faculdade, e a cada um dos 880 passes de Leaf, revendo várias vezes todos os passes do ano de 1997. Desse ato épico de super-análise obteve-se um nível bastante profundo de entendimento sobre a situação.

“Do ponto de vista do processo normal de seleção, você teria escolhido Leaf num piscar de olhos.” disse Polian. “Entretanto, quando você faz uma análise realmente profunda, descobre que havia impressões incorretas sobre Manning, inclusive no que diz respeito à parte física. Havia impressões incorretas também sobre Leaf, mas muitas vezes você só enxerga aquilo que você quer. Muitos diziam: ‘Manning não tem um braço forte’. Mas quando você analisava cada um dos passes que eles efetuaram durante suas carreiras na faculdade, descobria que essa afirmação não era verdadeira. Mas ninguém tem a habilidade para fazer essa enorme e exaustiva análise. Você só consegue fazer isso durante o período entre temporadas, quando consegue reunir todos os vídeos de que precisa. Eu me lembro quando disse a Tom Moore (que foi coordenador de ataque do Colts durante muito tempo) o quão intrigado eu estava pelo fato da bola arremessada por Peyton ter muito mais rotações por segundo do que a arremessada por Leaf. Mesmo em relação à parte física dos atletas, os relatórios iniciais estavam incorretos, e o senso comum também estava completamente incorreto.

Por outro lado, a escolha de Polian foi completamente correta. Manning começou como titular desde seu primeiro jogo como novato e, mesmo o Colts terminando aquela temporada com 3 vitórias e 13 derrotas e Manning lançando 28 interceptações, estava claro que o Colts estava de posse do quarterback certo, o quarterback da franquia.

A diferença entre os dois quarterbacks veio à tona quando o assunto foi maturidade emocional e ética no trabalho. Assim como todos, eu estava deslumbrado com a habilidade física de Leaf, e também estava com a idéia de que Manning não tinha muito potencial para crescer. Na época eu estava trabalhando para o Vikings e, como os dois quarterbacks provavelmente já teriam sido selecionados quando o momento da nossa escolha chegasse (21º, e na oportunidade selecionamos Randy Moss), avaliá-los seria apenas um mero exercício. Mas quando se trata de jogadores como Manning e Leaf, você deve fazer a sua lição de casa, pois na era do passe livre nunca se sabe quem pode vir a ficar disponível no mercado.

Quando eu estava indo para o Combine - onde os atletas passam por uma série de testes físicos e psicológicos - acabei me sentando na poltrona ao lado de Ryan Leaf no avião, que também ia para lá. Ele parecia ser muito maior pessoalmente do que nos vídeos, então eu perguntei a ele quanto pesava. Ele disse que não estava treinando regularmente, como durante a temporada, então chutou algo em torno de 106 a 108kg.

No dia seguinte, quando eu estava observando os quarterbacks serem pesados e medidos, Leaf - vendo um rosto familiar - me deu um sorriso enquanto ia para a pesagem. “122 kilos”, disse o encarregado pela pesagem. Leaf olhou para mim surpreso e estupefato.

Voltei a me encontrar com Leaf naquele mesmo ano, logo antes do nosso último jogo da pré-temporada, contra o Chargers. Ele estava indo bem nessas partidas, e a expectativa em relação a ela era grande. Perguntei a Leaf como estava, e ele me disse: “eu não consigo entender como as pessoas costumam falar maravilhas a respeito dos esquemas defensivos na NFL. Eu já vi de tudo o que tentaram aplicar contra o nosso ataque e, sinceramente, não é grande coisa.” Confiança é uma boa qualidade para se ter, mas em excesso é prejudicial.

Três curtos anos e 36 interceptações depois (contra apenas 14 touchdowns), o jovem Leaf se deu conta de que ele não tinha consciência de que não sabia tudo aquilo que ele precisava saber - e tudo aquilo era muito importante. O Chargers até hoje se lamenta por ter draftado Leaf, o que é um pouco injusto. Mesmo que você tivesse Manning melhor posicionado que Leaf (e nem todos tinham), praticamente todos na área colocavam Leaf como um dos 5 melhores jogadores do draft.

Conforme as estatísticas, o draft de 1998 também foi 50-50 em termos de acerto em relação a draftar quarterbacks. No ano seguinte, Tim Couch, Donovan McNabb e Akili Smith foram selecionados em 1º, 2º e 3º no draft, respectivamente. No draft de 2002, os dois quarterbacks mais desejados no draft eram David Carr (1ª escolha do draft, foi para o Houston) e Joey Harrington (3ª escolha, foi para Detroit). De novo, 50-50.

Parte do problema é que a necessidade acaba atrapalhando o nosso julgamento. O ex-dirigente do St Louis Rams, Billy Devaney era, em 1998, integrante do Chargers e fazia parte da equipe encarregada de estudar e analisar os jogadores do draft. Ele lembra que, na época, Leaf tinha muitas incógnitas.”Fizemos todos os testes psicológicos” disse Devaney. “Havia um profissional que contratamos quando eu estava no Redskins (e ele ainda trabalha lá nessa função) chamado Harry Wachs, um optometrista especializado numa área chamada avaliação visual-cognitiva. O índice de acerto dele era muito bom. Nós perguntamos ao Redskins se podíamos contratá-lo apenas para aplicar o teste a Leaf, e eles autorizaram. Não deu outra: Leaf não foi bem no teste, mas achamos que mesmo assim era possível trabalhá-lo para que se tornasse um grande quarterback. Não deu certo.”

Mas não são apenas os novatos que são difíceis de avaliar. Meu primeiro jogo como técnico do Baltimore Ravens foi em St. Louis, em 1999. Antes do início do jogo, cumprimentei o técnico adversário, Dick Vermeil, que me desejou sorte. Dick ainda estava inconformado com a grave contusão sofrida por Trent Green duas semanas antes, que o tirou da temporada e que potencialmente iria prejudicar o seu poderoso ataque. Dick me disse que eles iriam atuar com o segundo reserva, um jogador da Arena League chamado Kurt Warner, enquanto preparavam melhor o reserva Paul Justin para assumir a titularidade nos jogos seguintes.

Vermeil não sabia do que Warner era capaz - e isso não é uma crítica, porque ninguém de fato sabia. Warner viria a ser eleito o MVP daquela temporada, liderando o Rams ao título do Super Bowl. Anos depois iria levar o Cardinals ao Super Bowl, reservando com isso um possível lugar no Hall da Fama. Warner não seguiu o caminho mais comum, que é jogar no futebol americano da universidade e depois ir para o profissional. Por isso, você não consegue afirmar em qual tipo de quarterback o jogador vai se tornar até que ele jogue na NFL. Além disso, como cerca de um terço dos técnicos perdem o emprego em cada temporada, ninguém tem tempo suficiente para ficar fazendo muitos testes. Apesar disso, pensem na quantidade de quarterbacks de alto nível que começaram vindo da reserva ou mesmo que nem foram draftados: Warner, Tony Romo, Matt Hasselbeck, Jeff Garcia, Trent Green, Rich Gannon, Matt Cassel, Matt Schaub, e por aí adiante.

É praticamente certo que veremos dois quarterbacks sendo selecionados nas duas primeiras escolhas do draft deste ano. Tanto Andrew Luck como Robert Griffin III são considerados escolhas certeiras. Se todos estiverem corretos em suas previsões, o Colts e o Redskins não vão se preocupar com a posição de quarterback pelos próximos 12 a 15 anos. Mas isso era exatamente o que o Chargers estava imaginando em 1998.

Brian Billick é ex-técnico da NFL, e liderou o Baltimore Ravens ao título do Super Bowl de 2000. Ele foi treinador do Ravens durante 9 temporadas (1999-2007) depois de trabalhar no Minnesota Vikins como coordenador de ataque (1994-98). Além de escrever para a NFL.com, Billick é analista no NFL Network's Total Access e também em outros programas. 


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- Tradução livre de Marcos Koji Onodera

Conteúdo original em:
http://www.nfl.com/draft/story/09000d5d8285f369/article/how-to-draft-a-qb-part-2-one-and-done

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